quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Está Aberto o Debate...

Direto do blog do Universo HQ:

"Nesta madrugada, o Rafael Grampá tuitou com cópia para mim e outros jornalistas e quadrinhistas um link pra um texto intitulado Cida aprova "reserva de mercado" para quadrinhos, do Diário do Vale.

O texto aborda este projeto de lei, que estipula que, em quatro anos, editoras que publicam quadrinhos no País terão que publicar 20% de títulos de HQs nacionais comercialmente. A ideia é incentivar a indústria brasileira.

O debate começou logo cedo no Twitter, com o característico limite de caracteres pra atrapalhar. Trago-o pra cá, fazendo deste blog um espaço, assim como propus mais cedo que o FIQ - Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizontecrie um espaço para esse debate.

Já deixo claro: sou contra o projeto. E não é só porque o projeto de lei não acerta nem mesmo a grafia de "Mauricio de Sousa".

Alguns dos meus pontos:

1) A criação de uma cota interfere em linhas e projetos editoriais. Imagina se você tem uma editora de clássicos e recebe a orientação de publicar novos autores por decreto? Estraga o plano. Nas HQs, é a mesma coisa: uma editora deve poder decidir que tipo de material quer publicar, porque isso gera custo pra ela, e tem a ver com a imagem que ela quer passar pro leitor.

2) A contrapartida governamental é mínima e abstrata. Diz que vai apoiar, ajudar etc. E o governo pode até dizer "Já fazemos isso". Estará certo.

3) Alguém tem que financiar os eventuais encalhes. Isso vai acabar encarecendo quadrinhos que normalmente venderiam. Isto é: os quadrinhos de fora, e os daqui também, que compramos, que já fomentam o mercado, que já fizeram o mercado evoluir muito na última década, vão ser prejudicados.

4) Quem define o que é quadrinho de qualidade? E quem garante que essa qualidade será respeitada? E que não vão surgir picaretas pra produzir HQs de baixo custo, enchendo o mercado de lixo, só pra cumprir cota?

5) Se as editoras quiserem fazer birra e começarem a publicar quadrinhos nacionais feitos nas coxas, aqueles que mais afastam o leitor do que promovem a leitura? Pra isso, nem precisa de lei, basta ver alguns títulos oportunistas que de vez em quando pintam por aí de olho em alguma grana governamental.

6) Editoras novas oxigenaram o mercado de HQ nacional. Algumas delas testaram o mercado com materiais feitos lá fora. Uma lei de cotas só inibe a entrada de novas editoras na área.

7) Mesmo sem Mauricio de Sousa, o mercado de quadrinhos brasileiro hoje já é bastante grande e vem crescendo num ritmo que parece saudável em todas as pontas: lojas, editoras, autores, obras, eventos...

8) Não faz muito sentido priorizar quadrinhos na educação quando nem outras artes bem mais maduras no País recebem a mesma atenção. É simplesmente descabido. Fica parecendo uma muleta pro incentivo à leitura. Acho legal que as pessoas leiam HQs, mas também leiam romances e poesia, e assistam a peças de teatro e a filmes, visitem exposições, dancem, cantem. HQ é legal, mas não é tudo na vida.

9) Se o incentivo é só pra HQ nacional, logo teremos uma distorção como o do estudo de literatura, com milhões de jovens lendo Marília de Dirceu sem nunca terem lido uma página de Goethe, Shakespeare ou Borges.

10) O fato de HQ ser um meio "barato" pra promover a cultura nacional, aliás, saiu de onde? Há algum estudo? Quem diz que é fácil e barato fazer HQ? E quem define esses custos?

11) Qual o sentido dessa proposta diante do mercado digital e do mercado independente, com os sites que publicam quadrinhos? Como essa proposta conversa com o que está acontecendo de verdade no mundo das HQs, e com o que vai estar acontecendo daqui a quatro anos?

Enfim, esses são meus pontos. Convido a todos pro debate nos comentários. O espaço é todo seu!"

2 comentários:

  1. Pois é. O governo e a base governista no congresso estão novamente tentando interferir na cultura e no mercado, o que faz parte de uma ideologia sim, que em muitos casos pode ser benéfica em alguns momentos (como no sistema financeiro ou na especulação que fere a produção e o produtor), mas não na cultura. Não tem cabimento. Não há necessidade. Além do que, parece um nacionalismo demagógico. Se quiserem incentivar os quadrinistas nacionais, não tenho nada contra, mas leis deste tipo não surtem efeito e podem levar a estas distorções apontadas pelo Fábio. Existe sim uma indústria forte lá fora, de filmes e outras mídias, que entra no país e deve pagar seus devidos impostos (eu acho). Se queremos concorrer, vamos melhorar nossa qualidade, oras (os filmes es~toa fazendo isso aos poucos). Temos gente aqui, tinta, papel e as editoras podem bancar se forem bons trabalhos. Não vejo lógica nessa interferência governamental. Nem sempre sou contra o governo quando decide atuar na sociedade em busca de incentivos para os brasileiros, mas nesse e em muitos casos de interferências, não sou a favor (não estou entrando no mérito partidário aqui). No que compete aos quadrinhos, parece estar melhorando muito o mercado brasileiro, com muitas publicações alternativas as grandes editoras dos EUA.

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  2. Bom, em se tratando de lei, a primeira coisa a ser analisada é sua constitucionalidade, pois nenhuma lei pode ir de encontro à Constituição Federal.

    Acredito que a lei, assim como posta, sofrerá uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade).

    Ao obrigar a publicação, ela fere alguns preceitos básicos constitucionais, como art. 5º, inc. IX da CF: é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Acredito que uma obrigação é uma forma de censura, pois limita a gama de publicações.

    Ainda, o inc. XIII também do art. 5º diz: é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Portanto, não deve haver lei que obrigue uma sistemática de trabalho.

    Por derradeiro, o § 6º do art. 220, que regula a comunicação social, diz: A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.

    Por tais motivos, acredito que a especificação de uma margem de publicação nacional seja uma ação inconstitucional, no momento em que fere diversos preceitos básicos de liberdade individual e liberdade de trabalho.

    As ações são válidas. Sou a favor do incentivo ao produto nacional, mas não creio que este seja o caminho. Talvez deva partir do próprio consumidor, que é eivado de preconceito e consome feito um pinto no lixo tudo que vem de fora. Acho que só uma reprogramação, uma reeducação, um esclarecimento pode valorar o quadrinho nacional.

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