domingo, 30 de outubro de 2011

O Império Romano e a história de sua aparente invencibilidade:percursos e percalços - Parte I


Normalmente nos deparamos com idéias consolidadas sobre alguns fatos da história ou mesmo sobre as características de certas sociedades ou "civilizações". O Império Romano costuma gerar interesse entre nós por vários motivos: por sua aparente estabilidade político-militar, pela ostentação de seu poder frente aos povos conquistados, pelo pragmatismo de seus líderes, pensadores e políticos, pela eficácia de suas legiões e pela capacidade estratégica de seus comandantes militares, tais como Júlio César, Cneu Pompeu, Marco Antonio ou Caio Otávio (Augusto).


Tal Império representa para nós um exemplo bem sucedido da capacidade do Ocidente em expandir sua própria cultura, seus valores e sua organização político-social, como se nós fossemos os herdeiros diretos dos romanos, uma visão bastante comum entre os líderes e até entre os povos de "Impérios Modernos", tais como entre os nazistas de Hitler (quem esqueceria da aquila, a águia nazista utilizada também pelas legiões romanas, símbolo de Júpiter Capitolino?) e os fascista de Mussolini (e a palavra fascismo não advém de fasces, símbolo de autoridade dos lictores romanos, espécie de guardas pessoais dos cônsules?).

O problema é que tal visão carece de uma leitura crítica, visto que parte do pressuposto de que o imperialismo romano foi bem sucedido em todos os momentos da história de Roma ou que sempre existiu desde a gênese da cidade (Urbs), no ano de 753 a.C. Além disso, costumamos tratar Roma por aquilo que se tornou após séculos de história, esquecendo-nos de todos os percursos e percalços existentes ao longo de sua trajetória de conquistas, percalços esses que quase levaram a capital dos romanos a sua própria destruição.

Não podemos esquecer que a própria tradição escrita romana - incluindo as obras do primeiro historiador latino, Fábio Pictor (III a.C), do autor grego, Políbio (II a.C), do historiador analista, Tito Lívio (I a.C - I d.C) ou mesmo do poeta,Virgílio (I a.C) - relata que a cidade, após ser governada por Rômulo, seu fundador lendário - depois Numa Pompílio, Tulo Hostílio e Anco Márcio - foi dominada por reis etruscos, a saber; Tarquínio Prisco, o Antigo, Sérvio Túlio (escravo do primeiro, de onde deriva a palavra servus) e Tarquínio, o Soberbo.

A tradição escrita defende que estes reis etruscos teriam sido escolhidos pelo senado romano e pelo povo (populus) nas famosas assembleias curiatas, mas hoje em dia sabemos que a região da Etrúria, situada ao norte do Lácio, tinha muita influência sobre Roma e as demais cidades da antiga Confederação Latina, chegando a dominar a região de modo a difundir sua própria cultura aos romanos  - os chamados triunfos, as demais procissões religiosas, as festas da fertilidade e o cargo de Pontífice Máximo são apenas alguns exemplos de elementos etruscos adotados pelos romanos diante desta hegemonia etrusca sobre o Lácio.



Afresco Etrusco datado de 450 a.C. Em seus primeiros anos, a cultura etrusca (em contatos com a cultura dos gregos) exerceu influência sobre Roma. Cidades como Veios, na Etrúria, eram mais poderosas e ricas do que Roma entre os séculos VII e V a.C,o que pode ser comprovado pelo fato da própria tradição escrita romana afirmar que sua Urbs foi governada por três reis etruscos antes da instituição da República."



Após a expulsão dos reis etruscos pelas elites latinas do senado e após a instituição de várias magistraturas superiores (consulado, pretura) em substituição ao cargo de rei, Roma envolveu-se em uma grande guerra contra as cidades etruscas, sendo Veios a principal adversária dos romanos no século V a.C. A vitória foi custosa, durante dez anos de cerco a Veios, mas significando o primeiro momento de expansão do poderio romano para além do Lácio, já conquistado em guerras anteriores contra latinos e sabinos. Assim sendo, Roma tornava-se um pólo de atração de pessoas oriundas das mais diferentes regiões da Itália, o que elevou o número de plebeus no interior da cidade (os não patrícios, estes últimos constituindo os filhos dos 100 patres conscripti originais, os primeiros senadores).

Porém, devido a longa guerra contra os etruscos, Roma enfraqueceu-se militarmente, surgindo um novo percalço em sua expansão pela península itálica: os gauleses. Vindos do norte, do Vale do Pó e das regiões transalpinas (além dos Alpes), levas de tribos gaulesas adentraram na Itália, ocasionando pilhagens em várias cidades da Etrúria e do Lácio.

No ano de 390 a.C , os chamados "celtas franceses", liderados por certo Breno aproveitaram-se de uma brecha das defesas de Roma e do fato da maior parte das legiões estarem longe da cidade a procura dos próprios invasores, para tomarem a Urbs de assalto, ficando na cidade por quase sete meses, pilhando e festejando sua vitória.

A tradição escrita romana não nega o fato, afirmando que os romanos foram vencidos por sua própria arrogância e ganância, alguns líderes do senado abrigados na cidadela do Fórum, enquanto os gauleses humilhavam os demais senadores aprisionados na cidade. Afirmam alguns autores que o líder gaulês, Breno cobrou um resgate para abandonar a cidade, e que o elevado resgate cobrado teria irritado os arrogantes cativos. A resposta de Breno teria sido lendária, jogando sua espada na balança que pesava a quantidade de prata e ouro para o resgate exigido.

Em suma, mesmo após a saída dos gauleses e após a reconstrução de sua cidade, o chamado Saque Gaulês ainda era lembrado pelos autores romanos posteriores como uma das derrotas mais vergonhosas sofridas por sua República Imperial. Mas o pior ainda estava por vir. Logo, duas invasões abalariam a Itália de modo a quase levar Roma a sua destruição, a guerra contra o rei epirota (do Épiro, região da Grécia), Pirro e contra os cartagineses de Aníbal, um dos mais bem sucedidos comandantes da antiguidade.

Continua.

9 comentários:

  1. Parabéns pela postagem.
    Ótimo resumo dos primeiros séculos da história romana.

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  2. Grande post, Marco! Excelente texto.
    Nosso fascínio pela bem sucedida era romana não é de hoje. Como bem disseste, suas táticas, cultura, legislação são estudadas através dos tempos e ensinado grandes lições por gerações. À exemplo disso temos a chamada "renascença", quando a igreja e a burguesia dominante, preocupada com o surgimento de todas as formas mais diversas de arte, pensamento, filosofia e ciência da Idade Média, pensou que o mundo devia sair de sua caótica existência e retomar a era Clássica. Passou-se a crer que "copiando" o sucesso romano, seja na arte, filosofia, arquitetura, voltaríamos a uma vida "regrada", execrando a "Idade das Trevas".
    Mais uma vez, parabéns pelo texto!

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  3. Isso aí. Não falei do Renascimento e do Iluminismo, mas são movimentos importantes a exaltarem o regime republicano romano, a chamada constituição mista, também exaltada por Políbio.

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  4. Valeu. Vou continuar postando sobre minha área do conhecimento preferida, a história.

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  8. naum tem minha resposta
    bota aí;qual foi o cargo criado em substituicao do rei de roma

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  9. Primeiro a pretura, em número de dois, depois o cargo de cônsul, também em número de dois.
    Estes últimos presidiam o senado por um ano e eram os chefes militares supremos das legiões. Também enviavam leis para serem votadas nos comícios, fossem centuriatos ou até das tribos. Quando o comício por tribos eram compostos somente por plebeus, se tornavam a consilia plebis e quem presidia aqui eram os tribunos da plebe, mas esses surgiram após a secessão de 494 a.C.

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