terça-feira, 2 de agosto de 2011

Pequeno Guiazinho de Quadrinhos Fantástico Cenário (parte 03)

11. V de Vingança





Talvez o primeiro grande trabalho de Alan Moore, abrange amplas doses de filosofia, política e suspense com densidade, ambigüidade e emoção.

É para todo mundo que sempre achou que havia algo de errado com o mundo, mas nunca soube explicar exatamente o quê.

Com uma estrutura montada a partir de um terrorista denominado apenas de V, Moore narra a vida de dezenas de personagens sem nunca perder o fio da meada, em um mundo que é um amálgama da Inglaterra de Margareth Tatcher com o pesadelo de George Orwell, 1984.

Tudo isto auxiliado pela arte espetacularmente noir de David Lloyd.

Pelo amor de Deus, esqueçam o filme. Leiam o livro.



12. Miracleman





Algumas revoluções acontecem bem debaixo do nosso nariz, quando ninguém está prestando atenção.

Foi assim com o surgimento do Superman em 1938, com os Beatles em 1962 e –dada as devidas proporções- com Miracleman, outra obra do inglês Alan Moore, de 1982.

O personagem não era nada mais que um plágio inglês descarado do Capitão Marvel, tão fracassado que quando Moore assumiu suas histórias, teve carta branca para fazer o que bem entendesse com o título, afinal, as histórias eram tão ruins que era cientificamente impossível ficar pior do que estavam.

E então ele fez tudo que nunca poderia fazer em qualquer personagem DC ou Marvel: aplicou o mundo real nele.

Uma idéia simples, mas que a ausência de bolas ou visão dos editores sempre impediu de ser executada.

Especulações sobre física quântica, doses quilométricas de ordinário e poético, relações humanas realistas –no melhor e no pior que isso tem- alterações no cenário político que a simples existência de super-humanos causaria, sexo, violência, crueldade, mais poesia e de quebra, transformou o inocente sidekick do herói, Kid Miracleman em um dos vilões mais brutais já vistos em qualquer mídia. A sequência épica da destruição de Londres pelas próprias mãos do vilão não tem paralelos em nenhuma história, e provavelmente nunca terá.

Ou parafraseando o próprio Miracleman relatando suas memórias sobre este confronto final, enquanto ele e Kid Miracleman se engalfinhavam em uma rodovia com as pessoas fugindo em pânico e Kid arremessando carros no herói “meus biógrafos afirmam que os carros que ele atirava em mim estavam vazios, sinto dizer... Isso não era verdade”.

No capítulo derradeiro da obra, após tudo isto, Miracleman consegue trazer o paraíso à Terra.

Mesmo que seja à força.

A grosso modo, após o surgimento dos heróis como os conhecemos, nas mãos de Siegel e Shuster, 30 anos depois a reinvenção do gênero nas mãos de Stan Lee e Jack Kirby, é seguro afirmar que Miracleman sozinho foi a terceira grande revolução deste subgênero, enfiando uma estaca no peito da inocência e abrindo possibilidades narrativas e dramáticas nunca pensadas antes.

Não foi um estouro de vendas na época, mas gradual e lentamente influenciou tudo que foi feito depois, incluindo o canônico Watchmen, do próprio Moore.

Fica a lição para os marketeiros de plantão que abundam por aí: revoluções não são anunciadas, elas simplesmente acontecem.



13. Monstro do Pântano





Isto está quase virando o especial Alan Moore, mas sigamos adiante.

Nossa história começa quando o editor e roteirista Len Wein acabou tendo acesso a exemplares da série Miracleman, então um desconhecidíssimo gibi inglês para os americanos e ficou matutando o que que ele poderia fazer com aquele escritor doidão e transgressor demais para o público médio de quadrinhos de então.

Seguindo a fórmula do “pior que está não fica”, passou para ele em caráter absolutamente experimental a revista do Monstro do Pântano, sente o drama: um cientista, Alec Holland que fazia experimentos com plantas, após um atentado, seu corpo em chamas é encharcado pela fórmula que ele fazia e ele vira... Tcharããã... O Monstro do Pântano.

Sentiu o drama? Pois é... Bem... Não é exatamente Shakespeare e com um nome destes vocês queriam o que? Arte?

Um personagem que... Bem, vamos dizer que classe D é muito para ele.

Essa é a hora de resumir: foram 4 anos no título, já no primeiro arco Moore revela que o Monstro (que até então seu leitmotiv era achar uma cura e voltar a ser humano) nunca voltará a ser humano, porque, bem, Alec Holland simplesmente morreu na explosão, mor-reu! O Monstro nada mais é do que as plantas e fungos que encharcadas pela fórmula cresceram a partir do seu cadáver... Com as lembranças do que é ser um ser humano e tentando reproduzir de maneira grosseira este corpo. Deu no que deu, Monstro do Pântano.

Histórias se tornaram recheadas de horror Lovecraftiano e doses cavalares de poesia, com o personagem à la Dante descendo aos céus e infernos atrás de sua amada, mitos do horror revisitados, as conseqüências de um romance interespécies, e por fim, uma revisão de todo o cosmo DC.

A série ganhou matérias na Rolling Stone e Spin –coisas que decididamente não eram comuns na época- se tornou sucesso de vendas e estabeleceu a fama de Alan Moore. Embora, a bem da verdade, no seu último ano no título se perceba sinais evidentes de cansaço e um desleixo incômodo nas idéias e no texto, ainda que mantenha a dignidade.

Creio que não é preciso dizer que depois que ele saiu, a revista nunca mais chegou nem perto da qualidade e das vendas de então, afundando de novo na obscuridade.



14. Do Inferno





Mais um e chega de Alan Moore por hoje.

Publicado ao longo de toda a década de 90, Do Inferno é possivelmente a última grande obra de Moore nos quadrinhos.

Partindo de um pressuposto simples, a biografia de Jack, o Estripador, o escritor inglês mais uma vez foge do óbvio, revelando de imediato quem ele é e se detendo na construção de um assassino, no que leva um homem a matar e no contexto da transição do século XIX para o XX, onde os monstros oriundos da superstição começaram a dar lugar a outros monstros bem piores e mais palpáveis: nós mesmos, encarnados na figura do serial killer.

Ao contrário das outras obras de Moore, esta não é unanimidade, e muita, muita gente torce o nariz para ela, seja para os desenhos propositalmente desagradáveis de Eddie Campbell, seja pela reconstrução absolutamente realista do sórdido dia-a-dia da era Vitoriana, além de ser uma das histórias menos “atraentes” para o leitor de quadrinhos médio, por seu rigor formal e por não ter –quase- nenhum elemento fantástico ou que fuja do cotidiano.

No entanto, quem deixar o preconceito do lado de fora do quarto – e vamos ser honestos, aceitar a espécie humana como ela é - vai encontrar uma grande história.



15. The Spirit





Tinha humor. Tinha ação. Tinha suspense. Tinha drama humano. Tinha inovações gráficas. Tinha um olhar levemente cínico e irônico sobre a vida. Tinha genialidade. Tinha de tudo.

E tudo isso em 1946.

Enquanto os quadrinhos ainda brincavam de pular corda, Eisner escrevia e desenhava The Spirit, as aventuras do ex-policial Denny Colt, cercado por sua eterna noiva Ellen, o comissário Dolan e seu ajudante Ébano Branco, um dos elencos mais carismáticos já vistos nas HQs.

Claro que dizer tudo isso é não dizer nada demais.

Simples na estrutura, mas repleto de inovações em tudo o mais, Spirit aceitava a falibilidade do personagem principal e não raro, focava as histórias nos desconhecidos que habitavam Central City, revelando seus dramas, relegando o personagem principal a ser apenas mais um elemento (não raro, secundário) da trama.

Contista frustrado e aspirante a ilustrador, de ascendência judia, Eisner, vendo as portas fechadas, resolveu se aventurar no único mercado que aceitava todo mundo: a sub-arte dos quadrinhos de então.

Trouxe um refinamento e um olhar crítico até então ausente nos quadrinhos, uma visão de mundo e um humor sutil que deviam muito à literatura russa do século passado, combinando com a acidez das novelas de Dashiel Hemmett, um exemplo perfeito disso, é a história do homem que vendo o Spirit cair de um prédio, finge que não viu nada (afinal, Spirit vive sendo caçado por criminosos, para que se complicar, não é mesmo?) e começa lentamente a entrar em uma paranóia gradual e crescente por não ter descido para ajudar (“eu sei que ele me viu, e se ele não morreu? E se ele resolver vir atrás de mim, e se for uma armadilha? Não ajudar não me faz um criminoso, mas... E se a polícia vier?”) e no fim, acaba em desespero se matando, pulando de um telhado.

Apenas para se revelar no último quadro o “Spirit” caído era um manequim de uma loja de fantasia. Humor negro da melhor espécie em plenos anos 40, quando seus pares vigilantes estava muito ocupados combatendo anódinas invasões alienígenas e duendes da quinta dimensão.

Resumindo: uma vez emprestei volumes da coleção da L&PM para um amigo, ele gostou bastante e achou que era algum tipo de revival do personagem, com histórias novas, ou dos anos 70.

Não era, eram apenas as boas histórias de 1948.

Acho que isso diz tudo.

10 comentários:

  1. V de Vingança é uma ótima hq, pena que no filme deixaram claro que V era um homem, enquanto que na hq não se tinha como saber disso.
    Miracleman é uma aula de como se fazer hq de super herói que seja verossímil e crível (na medida do possível).
    O Monstro do Pântano de Allan Moore é obrigatório.
    Esta hq onde ele descobre que NÃO é Alec Holland é simplesmente demais...
    E o mais legal é que tempos depois ele encontra o General Sunderland no Inferno...
    Do Inferno também é uuma hq fenomenal, assustadora e fascinante.
    Spirit eu ainda pretendo ler.
    Valeu.

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  2. Buenas.
    Posso dizer que alguns dos melhores momentos de leituras que tive de HQ estão vinculados às obras de Alan Moore.
    Miracleman é ótimo, mas li faz muito tempo e não me lembro de todos os detalhes e riqueza narrativa (mas pelo que me lembro, seria uma das matrizes do conceito "herói verossímil" do tipo Batman do Nolan).
    Por muito tempo achei que V de Vingança foi a melhor criação de Moore, ainda melhor do que Watchemen, mas hoje considero Do Inferno a melhor criação do autor, em texto narrativo, conhecimento do assunto, erudição, construção de personagens, contextualização histórica, etc. Uma opinião apenas, o que em nada desmerece as outras grandes obras do autor mencionadas acima, incluindo Monstro do Pântano, que faz parte daquele universo psicodélico anos 70, escrito com maestria.
    Spirit é outra grande falha em minhas leituras. Me junto ao Jacques na observação "eu ainda pretendo ler".

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  3. Bah caras... Não curto muito Alan Moore (podem me bater). Não sei bem o motivo, mas tenho a tendência a me afastar de tudo que está bombando, como fiz com Harry Potter e Senhor dos Anéis (quando saiu o filme, pois o livro já tinha lido). Da mesma forma deixei de curtir Arquivo X na última temporada, Los Hermanos depois do segundo disco, CSI... Sei lá... Chatisse a minha.

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  4. Nem te grila.
    O cara é só um escritor.

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  5. Segundo o Moore todas as pistas para saber que é o V estão espalhadas pela mini.
    Eu nunca consegui descobrir.

    Merda.

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  6. Outro para emprestar. Leia só o do Will Eisner. São os únicos que passaram no Inmetro.

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  7. Porras Rafael, tu deixou de curtir Arquivo X na ÚLTIMA TEMPORADA??? Cara, eu já tinha abandonado o barco na sexta!

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  8. E dos mais drogados, por sinal.

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  9. [...] com um dos primeiros personagens que vieram a revelar o talento de Moore ao mundo: o Monstro do Pântano, que sob sua batuta, passou de um amontoado de musgo ambulante para um elemental indestrutível [...]

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  10. [...] http://fantasticocenario.com.br/2011/08/02/pequeno-guiazinho-de-quadrinhos-fantastico-cenario-parte-... [...]

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