sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O RÉQUIEM DE MINA HARKER

Texto: Fábio Dias.

Revisão: Roberta Manaa e Fábio Dias.

CARTA DE QUINCEY HARKER PARA ABRAHAM HARKER

2 de novembro de 1939.

Meu amado filho,

Estou lhe escrevendo abordo do trem para Londres, pois gostaria de lhe relatar os últimos acontecimentos. Apesar de você ter ficado chateado, sua mãe foi sábia em não permitir que você se ausentasse da faculdade para vir ver seu avô.

Primeiro houve toda a ansiedade da viagem de Nova Iorque até a casa dos meus pais em Exeter, tanto pela saúde de meu pai quanto pela guerra, depois o choque de ter chegado logo após ele falecer. Sua avó passou as próximas horas providenciando pessoalmente a liberação e cremação do corpo, o que ela realizou com determinação e rapidez impressionantes, como você bem sabe nossa família tem muita prática nesse tipo de procedimento.

Passei um longo tempo organizando os documentos de seu avô, enquanto sua mãe realizou uma projeção astral para ajudá-lo a fazer a transição, apesar de ter ficado um pouco chocado ao descobrir que a vida após a morte não é nada como a igreja lhe ensinara e com o fato da nora ser uma bruxa. Com a ajuda de Ilona seguiu seu caminho tranquilamente, mas ao saber que o neto também possui dons mediúnicos prometeu que irá visitá-lo em breve, portanto fique tranquilo, você terá a oportunidade de vê-lo novamente.

A hora do enterro veio com o sol ainda alto no céu e logo passou. Ao cair da noite me despedi de sua avó depois de implorar para ela nos acompanhar na volta para os Estados Unidos, mas como você deve imaginar ela recusou. Para uma idosa de quase setenta anos ela é muito independente e mais saudável que a maioria das pessoas de cinquenta que conhecemos e jamais aceitaria ser tratada como uma pessoa frágil ou sair do país antes de resolver sua ultima pendência, aquela pela qual espera há quatro décadas.

A estação se aproxima, postarei essa carta assim que desembarcar, então sua mãe e eu iremos direto para o hotel dormir, pois amanhã tenho vários negócios para acertar antes de abandonar definitivamente a Inglaterra. Meus negócios em Nova Iorque e esse ultimo conflito iniciado pelos alemães cortou minha estadia aqui ao mínimo possível.

Com carinho,

Jonathan Harker.

DIÁRIO DE MINA HARKER

3 de novembro. Exeter. -- O enterro de Jonathan foi ontem às quatorze horas, depois fiquei com meu filho e sua esposa até a hora em que eles tiveram que ir embora. Encerrei minha noite cedo e não tenho vergonha de admitir que chorei bastante lembrando de meu marido antes de dormir profundamente.

Hoje tentei passar como se fosse um dia comum e meus empregados se esforçaram para me confortar, mas conforme a noite chegava ficava cada vez mais ansiosa, dispensei todos mais cedo, jantei e me arrumei como se fosse ser anfitriã de um grande evento, afinal de contas não é sempre que se recebe um príncipe em casa e pelo menos uma vez queria estar preparada.

Não houve nenhum convite ou aviso, mas tinha certeza que ele viria e ao perceber sua aproximação fui tomada pelo impulso de escrever essas linhas, mas agora devo ir abrir a porta, sinto que o Príncipe das Trevas chegou.

4 de novembro, próximo ao alvorecer -- Com o nascer do sol se aproximando tenho certeza que um sono poderoso logo irá me dominar, mas antes disso quero registrar os últimos acontecimentos e com isso encerrar definitivamente esse diário, ainda que pretenda começar um novo amanhã.

Quando abri a porta lá estava ele, Vlad III Drácula, o Príncipe das Trevas. Um vampiro com mais de meio milênio de existência e ainda assim aparentando ter apenas cerca de trinta anos de idade. Estava vestindo um terno preto de corte moderno e uma bonita gravata vermelha. Mesmo após quase quatro décadas ele ainda parecia como eu lembrava, alto, magro, com nariz aquilino e olhos azuis. A única diferença da ultima vez que o vi é que agora com o rosto barbeado e com o cabelo negro bem aparado, me pareceu ainda mais atraente.

Vlad não estava sozinho, um passo atrás dele haviam duas lindas mulheres, que me apresentou com obvio orgulho; à direita Jord uma sorridente norueguesa de longos cabelos cacheados ruivos e olhos também azuis, alta e voluptuosa, vestia calças caquis e uma jaqueta de aviador; à esquerda Ayumi, de expressão serena, baixa estatura, com compridos cabelos negros e lisos, seus olhos castanhos amendoados e seu quimono vermelho não deixavam dúvidas de que era japonesa. O fato dos três portarem armas me deixou um pouco alarmada. Drácula trazia uma pesada espada em estilo medieval, Jord um grande machado de lâmina dupla e Ayumi um par de espadas japonesas muito parecidas, ainda que uma delas fosse maior que a outra.

Feitas as apresentações eles entraram em minha casa antes mesmo que eu articulasse o convite, um pouco desconcertada por vampiros poderem entrar em meu lar sem precisar de minha autorização, os convidei para a sala de estar e uma vez que nos acomodamos nas poltronas e sofá Vlad foi direto ao ponto:

“Você vira comigo senhora Harker?” Reparei que se quando o conheci seu sotaque já era quase imperceptível, atualmente ninguém perceberia que o inglês não é seu idioma nativo. “Ainda não sei, preciso de algumas respostas.” Ele sorriu. “Meninas, por favor, patrulhem os arredores.” Elas levantaram e num piscar de olhos não estavam mais lá. “Faças as perguntas Mina.”

“Por que vocês gostam de comer criancinhas.” Me vi soltando essas palavras em um tom de voz bem mais alto e agudo do que esperava. Drácula ergueu uma das sobrancelhas em uma expressão interrogativa, enquanto em algum lugar lá fora Jord gargalhou. “Isso sempre foi o que mais me perturbou no relato de Jonathan sobre sua estadia na Transilvânia. E também sobre o comportamento de Lucy.” Expliquei.

“Minha cara Mina a maioria dos vampiros prefere se alimentar de adultos, pois é bem mais satisfatório, ainda que certamente alguns apreciem o sangue de crianças. O sabor varia conforme a idade, o gênero, o tipo sanguíneo, a condição de saúde e até mesmo da dieta da fonte. Por exemplo, não deve ser surpresa para você que prefiro alimentar-me de jovens mulheres, correto?” Fiz um pequeno aceno afirmativo com a cabeça. “Não quero iludi-la. Se precisar me alimentarei de crianças. Entretanto o que havia nos sacos que levava para minhas noivas eram porcos ou ovelhas. Seu marido é que supôs o pior.”

Drácula então assumiu uma expressão mais séria. “Mesmo com todo o medo que os aldeões de minha terra sentiam, o que você acha que teria acontecido se eu realmente tivesse o habito de roubar crianças?” Admito que pela primeira vez pensei sobre isso por esse ângulo e após alguns instantes respondi: “Mais cedo ou mais tarde eles iam superar o medo e se unir para destruir você e o castelo.”

“Exatamente.” Disse ele assumindo uma postura mais relaxada na poltrona e continuou. “Acredito que Lucy se alimentou daquelas crianças por elas serem uma presa fácil e por achar que ninguém iria acreditar no que elas diriam. Note que ela foi bastante cuidadosa e não matou ou infectou nenhuma delas. Se Lucy não tivesse sido destruída por Van Helsing e aqueles outros dois, teria a buscado algumas noites mais tarde.” Senti um aperto no coração ao novamente imaginar como deve ter sido a terrível morte definitiva de minha amiga e pensar que ela poderia estar aqui ao meu lado nesse momento fez uma lagrima escorrer pelo meu rosto, mas me recompus e segui em frente.

“Porque Lucy? Porque nós? Porque a Inglaterra? Por quê?” Avancei e me joguei de joelhos aos seus pés segurando suas as mãos frias enquanto articulava minhas dúvidas em meio ao esforço para não chorar. Meu deus, precisava dessas respostas.

“Pelo menos aqui na Europa sou o senhor dos vampiros, mas sempre tive muitos inimigos, uma das mais perigosas era a bruxa vampira Baba Yaga. No começo do século XIX surgiram rumores que ela havia ido para a Grã-Bretanha e quando em 1888 ocorreram os assassinatos de Whitechapel que para vocês mortais eram trabalho de um louco, reconheci o penúltimo passo de um ritual dos mais profanos, capaz de dar imensos poderes a um morto-vivo.” Devo ter deixado transparecer minha supressa com essa revelação, pois ele fez uma pausa e adicionou: “Sim, Jack o Estripador foi apenas um personagem que Baba Yaga criou mais disfarçar seus atos e inspirar medo entre os humanos”. Então continuou. “Percebendo os planos da bruxa comecei imediatamente a fazer os preparativos para vir à Inglaterra e impedi-la. Felizmente tinha cinco anos antes dela poder executar a ultima parte do ritual. Ela era mais poderosa que eu, bem mais antiga e tinha prática em esconder-se de meus poderes, portanto me concentrei em procurar algo ou alguém que pudesse me ajudar nesse país e depois de muito esforço finalmente encontrei Lucy.”

“LUCY?” Gritei em choque e descrença. “Aparentemente ela era uma jovem alegre e normal, mas em seu estado sonâmbulo ela foi à médium de maior potencial que já conheci e acabou que todos vocês se envolveram comigo por causa dela.” Drácula proferiu essa frase e esperou minha reação. “Devo admitir que após aqueles eventos tantos anos atrás passei a estudar o ocultismo e a possibilidade de minha amiga ser uma médium sonâmbula já havia passado pela minha cabeça.”

Satisfeito com minha resposta ele continuou. “Para vencer as proteções de Baba Yaga tive que aguçar ainda mais a mediunidade de Lucy, primeiro ligando ela ao mundo dos vampiros lhe dando o meu sangue. Como não foi o suficiente precisei mantê-la às portas da morte, pois como deve saber, quanto mais tênue a ligação entre o corpo e o espírito maior a liberdade e a capacidade da alma. Se dependesse de mim sua amiga teria tido uma vida longa e feliz, ainda que talvez intercalada com alguns períodos de fraqueza quando precisasse dos dons dela, pois a mediunidade natural geralmente se perde com a transformação em vampiro, mas a interferência de Van Helsing perturbou meu controle sobre sua condição e Lucy morreu.”

“Consegui impedir a bruxa russa, mas sem a ajuda de minha vidente ela começou a virar o jogo contra mim. Foi quando decidi deixar vocês acreditarem que estavam me caçando e me seguirem de volta ao meu lar. Pretendia assim simular minha morte nas mãos de um grupo de caçadores determinados, mas tenho que admitir que vocês superaram em muito as minhas expectativas. Nunca imaginei que Van Helsing e você iriam chegar a meu castelo primeiro e destruir minhas três noivas”.

“Um homem bom e valoroso morreu em sua pequena charada!” Proferi essas palavras com mágoa ao me lembrar da morte de Quincey. Vlad assumiu uma expressão serena. “O sacrifício dele ajudou meu plano a se concretizar. Graças a isso mais tarde pude voltar a Grã-Bretanha discretamente e pegar Baba Yaga de surpresa, destruindo-a antes de sua próxima tentativa de completar o ritual. Acredite quando lhe digo que se ela tivesse concluído seus planos as consequências teriam sido terríveis.”

Quatro anos após nosso primeiro encontro Drácula me encontrou nas ruas de Exeter logo depois que meu marido e eu voltamos de nossa viagem pela Transilvânia. Ele me convenceu a manter essa visita em segredo pela segurança de meus amigos e a convencê-los a publicar nossa história disfarçada como um romance por intermédio de Bram Stoker, um escritor que nós conhecíamos. Certamente fez isso para espalhar ainda mais entre aqueles que conheciam sua existência que tinha sido eliminado, até então eu havia me perguntado o real interesse do Príncipe das Trevas naquela publicação.

A dor por Lucy e Quincey ainda era forte. Mesmo acreditando no que Drácula disse ainda senti o ímpeto de discutir e acusar, entretanto da rua vieram uma série de silvos altos, intercalados com pancadas surdas e um grande estrondo que com certeza veio da queda de uma árvore, então tudo voltou ao silêncio. Durante esses instantes Vlad ficou imóvel e manteve uma expressão muito séria. Naquele momento não seria possível diferenciá-lo de uma estátua.

“Chefe!” Chamou Jord na entrada da sala. “A japa acho um espião. O Frits deu um poco de trabalho, mas acabei cum o fio de uma cadela.” Ela tinha um sotaque forte e não dominava completamente o inglês. “Como ele conseguiu nos seguir até aqui?” Inquiriu Drácula. “Não seguiu. Achamo uma toca aqui nu terreno, ta por ai a semanas pelo meno.” Vlad pensou um pouco. “Certo, livrem-se do corpo, mas recolham tudo que encontrarem no cadáver ou no esconderijo.” Com isso Jord flutuou para fora dizendo: “Pode decha chefia.”

“Nunca o vi armado, qual o problema? Porque um espião alemão estava na minha propriedade?” Não pude conter o nervosismo e minha voz tremeu um pouco. “Novamente um velho e poderoso inimigo decidiu tomar o meu trono, ele atende pela alcunha de Graf Orlok e pretende utilizar o caos dessa nova guerra dos humanos como cobertura para atacar meus aliados e chegar a mim.” Arregalei os olhos “Orlok? O do filme Nosferatu?” Ele balançou a cabeça afirmativamente. “Sim e aparentemente ele achou muito divertido atuar interpretando a si próprio. Se conseguir me assassinar pretende mudar minha política de exploração discreta por uma de dominação aberta da humanidade. Será um flagelo para ambas as espécies.”

“Qual a origem dos vampiros?” Perguntei tentando ficar mais calma e voltando ao sofá. “Existem várias versões para essa história, mas em resumo ainda em tempos pré-históricos surgiu um vampiro primordial que deu origem a todos os outros. Ele é conhecido por vários nomes. Em geral costumamos chamá-lo simplesmente pelo título de Rei das Trevas e como não se envolve mais em nossos negócios, a maioria acredita que ele não existe mais.”

“Como você se tornou o que é?” Me inclinei para frente na expectativa de descobrir detalhes que me intrigavam à quatro décadas. “É uma longa história, quer mesmo ouvir tudo agora?” Levantou-se e andou até a lareira ficando de costas para mim. “Sim.” Foi realmente um longo relato, mas muito fascinante, foi quase como se eu estivesse assistindo os eventos ocorrerem. Não saberei descrever em detalhes todo esse trecho da conversa, pois me deixei levar pela narrativa e fiz muitos questionamentos, mas transcrevo os pontos principais abaixo:

“Nasci em 1431, sendo batizado como Vlad III Drácula da Casa Draculesti.” Estufou o peito ao declarar seu nome completo, não me era novidade o quão orgulhoso ele é de sua linhagem, mas nesse instante pude ver isso mais claramente do que nunca. “Aos cinco anos fui iniciado na Ordem do Dragão, uma ordem fraternal de cavaleiros cujo objetivo oficial era combater os inimigos da cristandade, particularmente os turcos, mas na verdade a ordem se especializava em enfrentar inimigos sobrenaturais. Além disso, seus membros se dedicavam ao estudo da alquimia e da magia.        Mesmo jovem rapidamente demonstrei ser um prodígio nas artes ocultas.” Apesar de não alterar sua postura dessa vez novamente notei orgulho em seu tom de voz.

“Aos treze anos fui entregue junto com Radu, meu irmão mais novo, ao sultão turco como refém para garanti a liberdade de meu pai.” Voltou o rosto para o lado após essa frase e fez uma pausa. “Então ele realmente abandonou os filhos nas mãos do inimigo.” Murmurei mais para mim mesma do que para ele, sempre havia duvidado dessa parte da história, como um pai pode colocar o próprio bem estar à frente do bem estar dos filhos. “O velho bastardo nunca se importou comigo e Radu, sempre preferiu nossos irmãos mais velhos, Mircea e Calugarul.” Seu desprezo ao fazer essa explicação foi palpável e o próprio ar na sala pareceu esfriar. Apesar dele estar de perfil sua expressão me fez sentir um calafrio.

“No começo sofri bastante por causa de minha teimosia, mas depois fingi me conformar, sendo posteriormente educado e treinado pela corte turca.” Mesmo com seu rosto ainda de lado, percebi que assumiu uma expressão cheia malicia. “Como calculei fazendo as perguntas certas aos instrutores eventualmente fui encontrado por místicos islâmicos e aprendi muito com eles.” Voltou a me olhar nos olhos e dessa vez foi satisfação que vi em sua face.

“Em 1448 fui colocado no trono da Valáquia pelos turcos, mas rapidamente destronado pelos húngaros. Aproveitei para escapar dos muçulmanos e me refugiar com meu tio Bogdan II por alguns meses.”

“Entre 1449 e 1455 estudei magia na academia Scholomance e me tornei o maior mago daquele tempo.” Sorriu e aproximou as mãos sem tocá-las em frente ao peito, faíscas elétricas dançaram entre seus dedos. “Apesar disso continuei mantendo meus poderes e conhecimento escondidos do povo e dos nobres.” A eletricidade se dissipou, mas deixou um cheiro de ozônio para trás.

“Retornei ao trono da Valáquia em 1456, cinco anos depois com ofertas de riquezas e segredos arcanos convenci o líder de uma alcatéia de lobisomens a transformar-me sem informar seus seguidores.” Meu queixo caiu ao ouvir isso. “Você é um lobisomem?” Disse um tanto chocada. “Entre outras coisas.” Afirmou com simplicidade, antes de continuar. “Desejava possuir também capacidades físicas sobre-humanas. Como de costume mantive meus novos poderes em segredo, mas mesmo em forma humana a licantropia trás grandes benefícios.”

“Para manter meus segredos tive que aceitar perder o trono novamente em 1462 e ser aprisionado em uma fortaleza pelo rei húngaro Matthias Corvinus. Apesar de oficialmente prisioneiro por doze anos, na pratica rapidamente adquiri muita liberdade. Por quase uma década, com exceção de sair do local de meu cárcere podia fazer o que bem quisesse, incluindo casar e ter filhos com uma nobre da família real húngara.” Riu.

“Convencido que meus dons como mago e lobisomem eram ainda muito pouco, me dediquei a pesquisar sobre os vampiros. Aliados da Ordem do Dragão capturam um dos mortos-vivos e me entregam para estudo, a partir daí passei a beber sangue vampírico periodicamente para me manter mais poderoso.”

“Declarei meu terceiro reinado na Valáquia em 1476, mas percebendo que os conflitos e a política humana eram apenas um entrave ao meu desenvolvimento, no mesmo ano simulei minha morte em batalha, para poder me dedicar exclusivamente aos preparativos para minha conversão em vampiro.” Se inclinou para frente e com os cotovelos apoiados nos joelhos juntou as pontas dos dedos das mãos. “Já poderia ter me transformado nessa época, mas tinha planos especiais sobre isso.” Seus lábios se curvaram em um meio sorriso.

“Depois de muitos anos de pesquisa e de utilizar incontáveis magias oraculares, no ano de 1481 encontrei o lendário Rei da Escuridão, o vampiro original. Implorei para ser convertido por ele. Em reconhecimento pela dificuldade de meu feito, tive minha requisição atendida.” Um largo sorriso mostrando as presas se estampou em seu rosto. “Assim nasceu o Príncipe das Trevas.” Constatei impressionada.

“Apesar de não possuir a maioria das fraquezas associadas aos outros vampiros, cerca de um século depois de ser transformado desenvolvi um engenhoso ritual que me permitiu ao assumir as vulnerabilidades de meus semelhantes, dobrar a velocidade com que minhas capacidade vampíricas se desenvolviam. Ainda que de uso único, enquanto mantive o ritual ativo meus descendentes e servos também foram afetados.” Apontou para minha testa. “Como você bem lembra.” Sim, lembrava claramente como após ter provado do sangue de Drácula uma simples hóstia deixou uma horrível queimadura em minha testa.

“Para conseguir simular minha morte nas mãos de seus amigos em 1893 precisei dissipar o ritual e cinco anos mais tarde pude usar contra Baba Yaga armas sacras que não mais me afetavam.” Surgiu sentado ao meu lado, pegou o crucifixo que trago no pescoço entre os dedos e lhe beijou.

“Porque você me quer?” Olhei profundamente em seus olhos. “Você é determinada e muito inteligente, uma mulher rara. Adquiriu meu respeito e acredito que tem muito mais a conquistar como imortal.” Então seu olhar se encheu de luxúria e acrescentou. “Além disso, você é muito atraente.” Eu sorri. “Obrigado pela gentileza, mas faz muito tempo que essa última afirmação não condiz com a realidade.” O elogio me alegrou por um momento e nos meus tempos de juventude teria me deixado muito encabulada, mas sabia que por mais bem conservada que estivesse ainda era uma senhora de quase setenta anos.

Os olhos de Vlad brilharam em vermelho, meu coração acelerou e senti um forte ardor se espalhar a partir dele pelas minhas artérias e veia, olhei para meus braços, em frente a meus olhos as rugas sumiram e os músculos recuperaram o vigor da juventude. Levantei e me dirigi ao espelho mais próximo, ali estava a Mina de quarenta e seis anos atrás, toquei meu rosto em descrença e sem dúvida alguma o peso dos anos havia me deixado. “Se vier comigo será bela como se nem um único dia tivesse passado, o sangue que lhe dei anos atrás e que se manteve em seu organismo garantira isso, entretanto você conservará a valorosa sabedoria dos anos.”

“Qual o motivo das três noivas?” Voltei-me para uma janela ao perguntar, não queria que ele visse o rubor que subiu a minha face rejuvenescida ao pensar nos motivos nada descentes que ele poderia ter. “Nenhum em particular, algumas vezes são menos, às vezes são mais, nem mesmo as chamava de noivas até o termo se popularizar nas obras de ficção sobre mim nas últimas décadas.” Usou um tom irônico ao proferir a palavra noivas.

“As antigas foram suas amantes, assim como essas duas novas são agora, correto?” Senti calor nas bochechas e orelhas, com certeza elas ficaram muito vermelhas. “Obviamente. Inclusive Jord e Ayumi além de minhas amantes são também amantes uma da outra” Afirmou com simplicidade. “Se você espera que eu participe dessa... dessa sua devassidão pode desistir e me deixar para morrer de velha?” Disse decidida.

“Em primeiro lugar a transformação só depende de sua aceitação. Não há nenhuma condição de minha parte.” Com uma lufada de vento ele estava atrás de mim, com os lábios quase tocando minha orelha e continuou falando, agora num sussurro. “Em segundo lugar, e preste muita atenção porque falo muito sério. Se recusar minha devassidão a perda é sua.” Segurou meus ombros. “Afinal sou um homem com seiscentos anos de prática, dividir a cama comigo é uma experiência superior a qualquer coisa que você possa imaginar.” Meu coração acelerou e o calor que sentia no rosto se espalhou pelo resto do corpo. Ele tocou de leve os lábios em meu pescoço e inspirou profundamente, isso fez um arrepio subir da base de minha coluna até minha nuca. Então deu dois passos para trás e pude recuperar o fôlego.

“A transformação vai me tornar maligna?” Esse com certeza era meu maior medo. “Não. Ela certamente transforma o indivíduo em um predador, como um lobo ou um leão, mas não muda se você é uma boa pessoa ou não. Se você me considera um monstro é porque independente de minhas motivações já era um quando humano. Entretanto a sensação de poder é imensa e isso faz muitos perderem a cabeça, faz que se entreguem a seus verdadeiros instintos. Ao contrário do que dizem o poder não corrompe realmente Mina, na verdade ele revela a índole do indivíduo.”

“Você é um monstro?” Olhei para sua face no reflexo da janela. “Depende.” Fiquei confusa. “Como assim? Dependo do que?” Virei o rosto para ver diretamente o dele. “Do ponto de vista e das motivações. As maiores atrocidades que cometi foram em meus anos antes do vampirismo. Sabendo delas a maioria de seus conterrâneos com certeza me consideraria a encarnação do mal. Entretanto, sou considerado o maior dos heróis pelo meu povo.” Novamente percebi orgulho em sua voz. “Não senti prazer em meus terríveis feitos, mas não me arrependo de nenhum. O terror foi apenas mais uma das armas que usei contra os meus inimigos e foi uma das mais eficientes.” Acreditei nele, pois até os dias de hoje governantes muitas vezes precisam tomar atitudes questionáveis para garantir os interesses de suas nações e as coisas certamente eram muito mais brutais meio milênio atrás.

Voltei-me e o Príncipe das Trevas estendeu a mão. “Aceita meu presente?” Jord e Ayumi surgiram ao lado dele. “Intão? Não temo todo tempo du mundo.” Disse a ruiva com um largo sorriso. Segurei a mão de Drácula, ele me puxou e abraçou-me, seus lábios correram para meu pescoço e me entreguei novamente ao prazer de sua mordida após tantos anos. Por instantes que pareceram horas ele sugou meu sangue, senti um grande prazer, maior do que posso descrever, meu coração acelerou como se fosse explodir no peito, em seguida uma calma absoluta tomou conta de mim enquanto meus batimentos cardíacos diminuíam. Quase perdendo a consciência flutuei nos braço dele e fui deitada no sofá. A escuridão me envolveu, havia apenas uma luz agradável ao longe e ela vinha se aproximando aos poucos. Ali onde estava em meio ao vazio de alguma forma percebi que Vlad beijou meus lábios, senti o sangue dele em minha boca e fui puxada violentamente no sentido oposto ao da luz.

Abri os olhos e uma fome como nunca imaginei me atingiu, Drácula colocou o pulso esquerdo em minha boca, mordi sem me dar conta que agora tinha presas e o sangue fluiu por mim, trazendo calor, prazer, sustento, vida. Por um tempo que me pareceu longo aquilo foi todo o meu mundo.

Quando a sede cedeu e pude voltar a raciocinar, soltei o pulso de Vlad, embora ainda desejasse mais sangue, por deus como eu desejava mais! Então ouvi pela primeira vez a voz delicada de Ayumi. “Bem a vinda à eternidade irmã.”

 FIM.

8 comentários:

  1. Ah, D´racula...o clássico vampiresco! Ótima iniciativa colocar este trecho do livro....e ilustrado com as imagens da adptação de Copolla (que é excelente, devemos lembrar).

    http://www.empadinhafrita.blogspot.com

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  2. Obrigado por ler.

    Tentei escrever esse conto seguindo bem o estilo do livro original, espero que tenha gostado.

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  3. Pinup japonesa e pinup norueguesa? Drácula de terno, gravata, cabelo aparado e usando uma espada bastarda? O Príncipe das trevas preocupado com aldeões? Ou em explicar que "aquilo eram porcos ou carneiros"? Ah, malz, mas não rolou... Dracula toma, não pede. E ele não ficaria preocupado em se apresentar com a moda da época e brandir uma espada na rua... Não faz sentido. E guarda-costas boazudas já é demais.... Além disso, imaginar o Drácula conversando como uma dama na sala de estar de uma mortal impertinente, e respondendo as peguntas dela... E ainda por cima fazer a Mina parecer só uma mulherzinha, e o Vlad um babão apaixonado com "seiscentos anos de prática sexual". Uh! Que cantada! Não, não, não. Trazer o Drácula pra uma "conversa na sala" e pedir pra ele se explicar é mediocrizar demais o personagem. Parece que o Vladinho ficou condescendente, ilógico e submisso em quarenta anos... Ficou parecendo um prelúdio pra "liga extraordinária 3", em que nossos valentes amigos enfrentam a Baba Yaga e descobrem que o Drácula é na verdade o verdadeiro cabeça da organização!

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  4. Para ler esse conto é melhor esquecer a idéia que se tem do Drácula hoje em dia, pois tentei seguir mais o livro original.

    Lá mostra que o Drácula gosta de ter pinups e caçar mulheres.
    Que os vampiros são meio tarados.
    Que ele muda bastante de aparência e se veste bem.
    Que tem um baita orgulho de ser um guerreiro.
    Que sente nescessidade de se explicar e não parecer maligno.
    Que gosta de parecer educado e respeitador.
    Que a Mina é sim uma "mulherzinha", apesar de ser muito mais forte e inteligente que a maioria de hoje em dia. Isso é bastante obvio no livro.
    Ele não tá apaixonado, só quer dar uns malhos nela. XD


    Sobre mediocrizar o personagem eu me esforcei para fazer o contrário, porque ele é muito mais mediocre no livro original.

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  5. Já ia esquecendo, pelo livro ele tem que ter muito medo de camponeses, porque é uma barbada achar e matar ele durante o dia.

    E sobre a minha versão, a Baba Yaga ele já matou, o próximo é o Orlok hauhauahuahauhauah

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  6. Não acho ele nada medíocre no livro original. E não lembro dele tentar parecer bonzinho... Ele tenta ganhar a simpatia das pessoas, mas é muito ruim nisso! E geralmente ele foge de perguntas sobre ele mesmo, ao invés de se entregar à longas explanações...
    E sim, ele é tarado, e é um guerreiro. E tem orgulho de ambas as coisas. Usar mulheres como guarda-costas?!? Acho que não! ele "dá conta" de tudo solito. As mulheres são só pra ele "dar uns malhos", mesmo.

    O que eu quis dizer sobre usar um terno e portar uma espada é: Espadas nãos são coisas comuns de se ver na europa renascentista. A idéia de um sujeito de terno andando por aí com uma espada é muito highlander, mas não tem muito à ver com o Drácula - que nunca aparece portando uma arma, exceto talvez uma lâmina de barbear... Ele é poderoso o suficiente pra usar as próprias mãos, e não andaria por aí com uma espada, uma alemôa peituda com um machado e uma japonesa com um daicho, exatamente porque essas coisas não seriam elegantes! Além disso ele não é o tipo de pessoa que confiaria em alguém. No livro original, ele não tem sequer criados! Ele permite que os ciganos circulem no pátio do castelo, mas é só.

    E ele não é simplesmente "afim" da Mina. Ele se tornou o que é por amor, e acredita que a guria é uma nova chance pra que o amor volte pra vida morta-viva dele. Além disso, depois de tudo o que ela passou, duvido um pouco que ela ficasse dando risinhos pra ele quando fosse elogiada...

    Só pra finalizar: Eu nunca vejo o drácula por outra lente que não o livro original, e o filme do Coppola. O resto, pra mim, nem existe.

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  7. Eu gostei do texto.
    O pessoal de espadas pelas ruas está meio anime, mas tudo bem.
    Sobre o livro do Drácula original, eu acho interessante pelo tom narrativo baseado em cartas e diários e também pela oposição entre a razão e a ciência moderna com o mundo sobrenatural e instintivo de Drácula. Eu sempre vi o personagem como uma criança com poderes, quer quer tudo para ele e não sabe lidar com aquele mundo que o acaba destruindo. Eu não vejo ele como um supervilão invencível, as vezes até vejo com certa ingenuidade. Claro que posso estar enganado, porque li o livro faz uns 15 anos.
    O filme do Copolla é outra coisa, um outro personagem, mas também legal. Teu conto etá mais parecido com o Drácula do filme, em minha opinião, o que não é demérito.
    Abraços.
    PS: só para ser não deixar passar e dar uma de historiador chato, o livro se passa na Era Vitoriana e não Renascentista, sendo ainda mais incomum o uso de espadas medievais, mas, ficção é ficção, não tem nenhuma obrigação de ser fiel a história (até porque a gente não tem certeza de quase nada).

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  8. Valeu Marco!

    Pessoal eu reli o livro a menos de um mês, lá ele não ama a Mina não, só pega ela de sacana mesmo e porque ela tá com os caçadores. E não tem essa frescura dele ter se tornado um vampiro por amor, não tem nada sobre isso no texto. O Drácula do Copolla tem boas dieferenças em relação ao livro e pelos comentários do Domênico ele tá lembrando só da versão do filme.

    Ele é bem mediocre no livro, tanto que é obrigado a fugir o tempo todo para não ser morto, o próprio Jonathan só não mata ele na barbada ainda lá na Transilvânia porque tava apavorado.O Drácula é bem limitado, não faz tudo "solito" não. Os cacadores chutam a bunda dele ainda na Inglaterra, ele só não morre porque literalmente foge como um desesperado.

    Ele fala muito sobre si mesmo, na verdade adora fazer isso, mas para não estragar o disfarce fala como se fossem histórias de um "antepassado".

    Ele não é do tipo de confiar nas pessoas, mas foi um rei e um general, além disso tem influência nas crias deles, ele não tinha servos humanos no castelo, mas tinha as 3 vampiras, os ciganos, os advogados e contratou outras pessoas no livro também.

    Não acho que para vampiros ser homem ou mulher faça alguma diferença em relação ao poder. Podem ser mulheres guarda-costas sem problema nenhum.

    Sobre as armas, considerando que no livro qualquer arma comum fere ele (um mané com uma faca degola o infeliz) é bem lógico que se achar necessário ele vai andar armado. E como no meu conto tem o background que um outro lorde vampiro está tentando destruir o Drácula, acho que faz sentido ele ter guarda-costas e todos estarem armados.

    Sobre andar por ai com espadas em 1939, nada que viajar em forma de névoa ou morcego não resolva, ou quem sabe simplesmente levar elas no porta-malas do carro...

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